Calçadas viram puxadinhos de bares

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Em diversos bairros de Campos dos Goytacazes não é difícil encontrar calçadas ocupadas por mesas e cadeiras de bares e restaurantes. Muitos não possuem autorização da Prefeitura para utilizar o espaço, e descumprem orientações técnicas da Secretaria de Ordem Pública, por meio do Departamento de Posturas. A reportagem flagrou diversas irregularidades em calçadas da cidade. Pedestres que se queixam da obstrução dos acessos que deveriam estar liberados. O governo municipal diz que fiscaliza e combate o problema com aplicação de multas. Entretanto, comerciantes continuam infringindo as regras e normas de conduta e o problema permanece.

Flagrante na Rua barão do Amazonas (Foto: JTV)

No Centro de Campos, a histórica Rua Barão do Amazonas possui uma das calçadas mais estreitas da cidade. Uma moradora que se identificou pelo nome de Rosa denunciou a ocupação do espaço por bares em determinados momentos. Isto costuma ocorrer principalmente à noite e nos fins de semana. “Fiz várias denúncias e chamei os fiscais da Postura, mas até hoje isto não se resolve. Além de ocuparem as calçadas, os frequentadores dos bares abusam do barulho e do som alto, incomodando a vizinhança que mora aqui”, conta.  O mesmo ocorre em calçadas da Avenida Pelinca, no Parque Tamandaré.

João Pedro reclama do problema

João Pedro, de 20 anos, trabalha distribuindo panfletos publicitários na área central. Ele diz que calçada ocupada sempre incomoda. “A gente tem que dar um jeito para passar. Às vezes, tudo fica embolado. É ruim quando isso acontece”, diz. A dona de casa Ana Paula Falcão e o filho Raphael, de 10 anos, moram no Parque Eldorado, em Guarus. Lá, também é frequente a ocupação de calçadas por bares. “A gente fica sem poder reclamar com os donos, pois tememos pela segurança. Não é nada agradável ter que desviar e ir para a rua, pois o lugar é para o pedestre”, diz Ana. A moradora do Parque Cidade Luz, Ericha Mota, se queixa do problema no bairro. “Isto acontece lá e em toda a cidade, infelizmente”, diz.

Pedestres sem calçadas e ameaças
No Parque São Caetano, na Rua Lions Club, a reportagem flagrou um estabelecimento comercial que utiliza a calçada como extensão para atender aos clientes. No cruzamento das ruas Anita Pessanha e Coronel Germano de Castro, no entorno da Universidade Cândido Mendes, a ocupação das calçadas é generalizada. São bares e restaurantes de diferentes tamanhos instalados nas vias destinadas exclusivamente aos pedestres.

No mesmo local da Rua Anita Pessanha, o maior dos abusos foi registrado. O proprietário de um bar de esquina cercou a calçada e parte da rua para instalar mesas e cadeiras. Isto impede a circulação de carros e qualquer parada ou estacionamento. Próximo dali, um trailer bloqueia a maior parte da calçada, deixando um mínimo de espaço para circulação de pedestres.

Nos últimos anos, em um trecho da Avenida Artur Bernades, próximo aos bairros Rosário, IPS e Parque Aurora, formou-se um polo gastronômico que atrai centenas de pessoas todos os dias. Vários bares e restaurantes ocupam parcial ou totalmente as calçadas com mesas e cadeiras. Durante o dia, pedestres passam pelo local sem dificuldades. O mesmo não acontece no período noturno, sobretudo nos fins de semana.  

Durante a reportagem, a equipe do Terceira Via foi abordada por dois homens que se apresentaram como proprietários de um dos estabelecimentos da Arthur Bernardes. Um deles, que se identificou como Victor, não quis dar entrevista. Ele tentou intimidar e ameaçar a reportagem por estar fotografando e filmando a calçada vazia durante o dia. “Querem filmar na Lagoa do Sapo do Parque Santa Rosa? Lá também tem calçada ocupada. Entrem no meu carro agora que eu levo vocês”, disse em tom agressivo e irônico. Este bairro em Guarus enfrenta problemas sérios com guerra de traficantes de drogas.  Ele ainda completou: “Eu nunca tive problemas com fiscalização, e se passar a ter agora, vai ser culpa de vocês”, ameaçou.

A Prefeitura de Campos foi procurada para se posicionar sobre a ocupação irregular de calçadas em todo o município. Em nota, foi informado que “a Secretaria de Ordem Pública, por meio do Departamento de Posturas, realiza um trabalho preventivo de ordenamento da ocupação de calçadas e passeios públicos, buscando orientar os comerciantes e/ou ambulantes quanto à irregularidade da obstrução dos mesmos. Em caso de obstrução, o responsável é primeiramente notificado a liberar o espaço imediatamente ou a se adequar. Se o mesmo não se adequar, o estabelecimento pode ser multado entre 10% do salário mínimo a 2 salários mínimos. No caso de reincidência, a multa dobra”, destacou.

Renato Siqueira, arquiteto e urbanista

Descumprimento de regras básicas
O arquiteto e urbanista Renato Siqueira é especialista em mobilidade e desenvolvimento sustentável.  Ele explica que tudo que é relacionado ao uso do espaço urbano relativo à mobilidade, ao uso do espaço coletivo e privado relativo às calçadas é orientado pelo Plano de Mobilidade. Este consagrou as calçadas como espaço de circulação exclusivo para cadeirantes, idosos e pedestres de modo geral. É dessa forma que as calçadas devem ser utilizadas. “O tamanho das calçadas é definido pela Lei de Parcelamento do Solo. Por padrão, o Município adota calçadas de dois metros e meio. Existem calçadas um pouco maiores em torno de três metros. Nas vias arteriais de maior circulação, como Arthur Bernardes e Nossa Senhora do Carmo, as calçadas deveriam ser de seis metros”, diz.

A Lei de Mobilidade aprovada em abril deste ano em Campos reforça que a prioridade na circulação dentro da cidade deve ser, pela ordem, de cadeirantes, pedestres, ciclistas; depois o transporte coletivo, o transporte de carga, e, por último, o automóvel.

“Esse mau uso de calçadas é conflitante, embora haja na lei toda essa definição já mencionada. O mais grave que eu conheço é no Polo Gastronômico, na Avenida Arthur Bernardes, entre a Avenida José Alves de Azevedo a Visconde de Itaboraí. Ali, os bares se apropriaram literalmente das calçadas, como se fossem propriedades privadas. Cadeirantes e pedestres são obrigados a circular na via de carros pelo acostamento. Isto é um agravante, pois o Poder Público não deveria permitir um avanço dessa natureza. Deveria ser imediatamente corrigido com o resgate dos espaços das calçadas para o público devido”.

Renato Siqueira destaca ainda que a norma de acessibilidade, a NBR 9050/2022, especifica três faixas de uso nas calçadas. Uma faixa onde se coloca o mobiliário urbano próximo ao meio-fio; um trecho intermediário para circulação; e um trecho próximo ao alinhamento frontal do lote. “Muitas vezes, não conseguimos perceber o cumprimento disto nas calçadas. O piso não deve gerar confusão de paginação e material. Em frente ao shopping Parquecentro, quem tem deficiência de visão encontra dificuldade no piso para as pessoas circularem. O piso deve ser impermeável, antiderrapante e com inclinação de no máximo 3%”, conclui.

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